Terreiro bantu resiste em manter suas tradições dentro de uma perspectiva consumista da modernidade urbana
*por
Taata Kwa Nkisi Katuvanjesi – Walmir Damasceno,
jornalista, bacharel em direito , presidente do Instituto Latino
Americano de Tradições Afro Bantu – Ilabantu, e sacerdote do Nzo Tumbansi Tua
Nzaambi Ngana Kavungu
São Paulo, a polis monstruosa, o imenso
sistema de aparente caos, São Paulo em sua imensa escama urbana, pois é uma
cidade que se refaz continuamente, como as serpentes que trocam de pele, abriga
em suas reentrâncias a diversidade e os pares de oposição que estruturam o seu
imenso sistema. Ou seja, de um lado o percentual populacional dos que
historicamente mantém os seus privilégios: donos de empresas, industriais,
políticos, profissionais prestigiados, artistas da indústria cultural entre
outros. Do outro lado, por trás da cortina de fumaça, o conjunto dos que são
postos de lado em uma perspectiva socioeconômica, em suma os que são minimizados
em um espectro cultural dominante: a população negra em sua maioria, os
imigrantes oriundos do nordeste brasileiro, todos esses que são tornados a
grande massa explorada de trabalhadores e também no imenso exército de reserva
de produção do sistema capitalista, os excluídos das esferas formais de
emprego.
São Paulo é um organismo que em seu
interior pulsam micro sistemas e contradições não passiveis de serem
assimiladas pela esfera dominante. Vale citar o crime organizado que em última
análise é um reflexo da desigualdade sustentada sistematicamente. Todavia,
existem outras contradições que empregam o enfrentamento em outros campos de
atuação, como as culturas tradicionais que resistem e se fortalecem
inesperadamente em um ambiente de acentuado apelo à mercantilização de todo o
existente, nesse processo de acelerada globalização que tenta nivelar toda a
diferença torná-la assimilável e homogeneizada à visão de mundo dominante.
O terreiro de tradição congo- angola,
que fala entre as inúmeras línguas transplantadas do continente africano, a
kikongo, mantida e conservada no Nzo Tumbansi, localizado em Itapecerica da Serra,
região metropolitana sul da megalópole paulista é um dos exemplos de grupos que
resistem e se refazem em um ambiente muitas vezes hostil como uma selva, mas
uma selva de flora artificial e cruel fauna humana. Nesse espaço, a visão de
mundo de raiz bantu questiona, dialoga, com um modo de ser secularizado de uma
metrópole que não conhece em suas bases formais o respeito sagrado à sua
biodiversidade é o caso de seus rios estéreis, irremediavelmente poluídos,
fluxos patogênicos e fétidos.
Dentro dessas dinâmicas dessacralizadas,
que se estabelecem nos espaços urbanos, também o tempo sofre modificações
perceptivas, tudo parece se acelerar, a velocidade do efêmero se acentua, no
entanto, se aquieta, assume outra feição nos espaços dos terreiros onde o tempo
é sempre reencontro, com o passado, com os mais velhos e com os ancestrais. Nos
terreiros o tempo necessariamente retorna a uma dimensão mítica onde ele, o
tempo, também se torna divindade.
Porém, os terreiros de candomblé na
modernidade e, sobretudo, nas dimensões paulistas acabam por sofrer
modificações em seus códigos. Pois filhos e filhas de santo estão também
mergulhados (as) em processos sociais da própria cidade, nem todos poderão ter
a disponibilidade de se iniciarem como deseja o Nki Nsi, alguns terão o tempo
de iniciação abreviado devido a pressão de compromissos externos, sobretudo
pelo mundo do trabalho. Outros terão que adiar iniciação ou obrigação devido ao
mesmo motivo. Outros ainda só poderão estar presentes no terreiro em datas de
feriado nacional ou no período de férias. Isso fez com que alguns códigos dos
terreiros se flexibilizassem para abrigar os seus filhos(as), contudo, sem
perder sua natureza tradicional.
Esse é um dos desafios que o Nzo(Casa)
Tumbansi(Pedaço de Terra, língua kikongo), Comunidade Tradicional de Terreiro
de Candomblé de Matriz Africana Bantu enfrenta junto a outras comunidades de
terreiro: manter suas tradições dentro de uma perspectiva consumista da
modernidade urbana, sua autonomia diante dos processos formais de
desenvolvimento urbano e, mais que tudo, manter sua identidade frente os
bombardeamentos midiáticos que distorcem milhares de mentes e dos quais nossos
filhos e filhas às vezes não estão imunes. Artigo Valmir Damasceno
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