Taata Kwa Nkisi Katuvanjesi – Walmir Damasceno
O ILABANTU é uma entidade não governamental, de fortalecimento
institucional e político dos povos e comunidades tradicionais de matriz
africana, mantenedora do “Nzo Tumbansi”, casa de matriz de Candomblé
congo-angola de proeminente tradição bantu, localizado em Itapecerica da
Serra, região metropolitana sul da Grande São Paulo/SP.
Assim como outras entidades ligadas à luta histórica do povo negro
contra a racialização discriminadora, o ILABANTU dedica o seu empenho a
pressão por políticas públicas voltadas a população negra e suas
manifestações de ordem tradicional e cultural, alinhado aos dispositivos
legais presentes no Estatuto da Igualdade Racial.
De acordo com a socióloga Maria da Glória Gohn, existem dois níveis de
movimentos sociais: os conservadores, que se utilizam da força e da
violência “distúrbios da ordem”, negociações puramente individualistas
ou de interesse restrito a determinados grupos, especialmente
capitalistas e, o segundo, os progressivos, com mobilizações coletivas,
planejando, avaliando propostas cidadãs, acerca da realidade social das
minorias excluídas (GOHN, 2003, p. 14 apud Rodrigues, 2011).
Nesta perspectiva o ILABANTU se configura como uma organização coletiva
voltada ao amadurecimento das pautas reivindicatórias dos Povos de
Comunidades Tradicionais de Matriz Africana frente aos diálogos com o
poder público, vale dizer que a apresentação destas demandas ocorre de
forma transversal no momento em que as reivindicações não são somente
por garantia e viabilidade institucional das culturas tradicionais de
origem africana, mas ao direito à saúde, alimentação, moradia,
segurança, educação e melhores condições de vida a toda população
afro-brasileira e africana na diáspora.
Em 27 de dezembro de 2007, foi instituída a Lei 11.635, que a cada 21
de janeiro, será celebrado o “Dia Nacional de Combate à Intolerância
Religiosa”, mesma data emblemática do Dia Mundial da Religião. Mais de
120 anos da Lei Áurea ou a Abolição da escravatura, mesmo com essas
iniciativas, segundo Reginaldo Prandi, “até recentemente, essas
religiões eram proibidas, por isso, duramente perseguidas por órgãos
oficiais. Continuam a sofrer agressões” (PRANDI, 2004 apud Rodrigues,
2011).
Embora o Estado passe a reconhecer as manifestações do Candomblé como
componente identitário do povo brasileiro, no entanto, seja por
insuficiência dos órgãos públicos no emprego de políticas públicas
capazes de efetivamente levar a termo o racismo, ou devido a prática do
racismo institucional, ainda hoje os Povos de Comunidades Tradicionais
de Matriz Africana sofrem com a discriminação em todas as esferas que
compõem a sociedade brasileira.
São diversos os casos de crianças iniciadas no Candomblé discriminadas
nas escolas por apresentarem seus trajes ou tabus. Assim como são
inúmeros os casos de integrantes de comunidades de terreiro que tem a
assistência de seus Pais de Santo interditadas nos hospitais ou unidades
carcerárias. “O que acontece é que no Brasil nenhuma outra orientação
religiosa foi tão massiva e históricamente perseguida como as religiões
denominadas afro-brasileiras” (BARREIRA, 2011 apud Rodrigues, 2011).
É expressivo o número de terreiros oficialmente catalogados no Brasil.
No entanto, com o advento da bancada evangélica no Congresso Nacional
tem se intensificado os ataques sob o prisma da intolerância religiosa a
estas comunidades e povos tradicionais. Tais ataques não incidem
somente nos aspectos simbólicos dos ritos, mas em toda a dinâmica de
vida destas comunidades. Na medida em que se tenta destruir a
legitimidade religiosa do Candomblé, também se ataca a reprodução
matéria do modo de vida de seus adeptos.
O espaço de tradição Congo-Angola Nzo Tumbansi é um dos exemplos de
grupos que resistem e se refazem em um ambiente muitas vezes hostil como
uma selva, mas uma selva de flora artificial e cruel fauna humana.
Nesse espaço, a visão de mundo de raiz bantu questiona, dialoga, com um
modo de ser secularizado de uma metrópole que não conhece em suas bases
formais o respeito sagrado à sua biodiversidade é o caso de seus rios
estéreis, irremediavelmente poluídos, fluxos patogênicos e fétidos.
Dentro dessas dinâmicas dessacralizadas, que se estabelecem nos espaços
urbanos, também o tempo sofre modificações perceptivas, tudo parece se
acelerar, a velocidade do efêmero se acentua, no entanto, se aquieta,
assume outra feição nos espaços dos terreiros onde o tempo é sempre
reencontro, com o passado, com os mais velhos e com os ancestrais. Nos
terreiros o tempo necessariamente retorna a uma dimensão mítica onde
ele, o tempo, também se torna divindade.
Porém, os terreiros de Candomblé na modernidade e, sobretudo, nas
dimensões paulistas acabam por sofrer modificações em seus códigos. Pois
filhos e filhas de santo estão também mergulhados (as) em processos
sociais da própria cidade, nem todos poderão ter a disponibilidade de se
iniciarem como deseja o Nkisi, alguns terão o tempo de iniciação
abreviado devido a pressão de compromissos externos, sobretudo pelo
mundo do trabalho.
Outros terão que adiar iniciação ou obrigação devido ao mesmo motivo.
Outros ainda só poderão estar presentes no terreiro em datas de feriado
nacional ou no período de férias. Isso fez com que alguns códigos dos
terreiros se flexibilizassem para abrigar os seus filhos(as), contudo,
sem perder sua natureza tradicional.
Esse é um dos desafios que o “Nzo Tumbansi” enfrenta junto a outras
comunidades de terreiro: manter suas tradições dentro de uma perspectiva
consumista da modernidade urbana, sua autonomia diante dos processos
formais de desenvolvimento urbano e, mais que tudo, manter sua
identidade frente os bombardeamentos midiáticos que distorcem milhares
de mentes e dos quais nossos filhos e filhas às vezes não estão imunes.
A vida iniciática diante da vida mundana exige dos iniciados,
principalmente em uma cidade como São Paulo onde são múltiplos os
referenciais discordantes da identidade do povo de santo, uma postura
que reflita a concentração, o foco, nos ensinamentos apreendidos nos
terreiros. Nesse aspecto, o Candomblé na metrópole é um significativo
grupamento que desenvolve em sua comunidade valores antagônico ao
desencantamento do mundo proposto por uma visão técnico–científica que
reduz as aspirações humanas a uma perspectiva meramente comercial.
Além de ser tradicionalmente o local onde as comunidades negras
encontram os seus valores religiosos e sua memória tão devastada pelos
processos colonialistas. No Brasil o grilhão do passado escravocrata
reflete no presente. A população brasileira corresponde a cerca dos 192
milhões de habitantes segundo o IBGE, desses, 45% são negros (as) esses,
no entanto, correspondem a cerca de 69% dos mais pobres, que são
submetidos cotidianamente a múltiplas formas de violências orquestradas
pelo racismo.
Os terreiros nessa conjuntura são templos onde a população negra a
exemplo de seus mitos se fortalecem se apropriam de estima positiva para
partirem orgulhosos para a batalha mundana, em suma, os terreiros nas
metrópoles são campos de força onde sobretudo a população negra se
incorpora de poder simbólico para enfrentar o massacre contra sua
identidade.
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